Bernadete Coelho Freitas, 35 anos, natural de Tabuleiro do Norte, não tinha a intenção, mas acabou se transformando numa espécie de porta-voz, até heroína, para uma classe inteira de profissionais da educação no Estado do Ceará. Por outro lado, ela foi duramente vaiada por militantes políticos. Reagiu dizendo que era a educadora dos filhos de quem a estava vaiando.
O episódio que catapultou Berna, como é carinhosamente tratada, a esta posição simbólica aconteceu na quinta-feira, 03 de abril, durante inauguração da Policlínica de Limoeiro do Norte, na qual estava presente o governador Cid Gomes, Ciro Gomes e todo o séquito de políticos do alto escalão do executivo estadual. Berna subiu ao palanque e, durante preciosos minutos, separada por uma distância de um metro do Governador do Ceará, fez um desabafo marcante.
Jaime Arantes, editor do Monólitos Post, conversou com Berna. Ela falou sobre sua carreira, sobre as dificuldades relacionadas com a profissão e acerca do que motivou seu protesto e sua participação no palanque de Cid. Conheça mais sobre a professora que roubou a cena no palanque do Governador.
CARREIRA
“Embora me considere limoeirense, pelo fato de meu pai ser daqui e por ter vivido mais de 25 anos nessa cidade, sou natural de Tabuleiro do Norte, local em que residi meus primeiros anos de vida. Trabalhei desde cedo e sempre estudei.
“Durante 10 anos trabalhei no Instituto CENTEC, inicialmente como funcionária, depois como docente. Nesse período me formei em Licenciatura em Geografia pela FAFIDAM. Em seguida, fiz mestrado pela Universidade Estadual do Ceará e realizei pesquisa sobre as implicações da implantação do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi. Os resultados da pesquisa foram publicados em livro, capítulos de livros e artigos.
“Há três anos retornei à FAFIDAM como professora substituta do Curso de Geografia. Fui aprovada, há um ano, no Doutorado em Geografia Humana da Universidade de São Paulo (USP), em que desenvolvo uma pesquisa sobre a reprodução da agricultura familiar camponesa e a questão do uso de agrotóxicos na região do Baixo Jaguaribe.
“Participei de seleção na USP com concorrência de 37 projetos de pesquisa e fui classificada em 3º lugar, o que me deu o direito de ter fomento da CAPES. Participo também de um Grupo de Pesquisa (cadastrado no CNPq) em cooperação com outras instituições como o TRAMAS/UFC e a UNESP de Presidente Prudente (SP) que tem o objetivo de construir conhecimento nos territórios do Vale do Jaguaribe em conjunto com os saberes populares. Defendemos que o conhecimento seja devolvido aos sujeitos dos territórios e aos movimentos sociais, de modo que possam se apropriar desses saberes e, assim, lutarem para melhorar suas realidades.
“Estudei toda minha vida em instituição pública, nada mais justo que devolver o conhecimento apreendido para o povo.”
O QUE A MOTIVOU A PROTESTAR
“Na verdade, foi de forma espontânea. Os estudantes resolveram no dia participar, então passamos nas salas convidando outros estudantes e professores.
“Os motivos da participação se devem a diversas problemáticas da universidade, sobretudo, no que se refere à não realização de concurso público para professor efetivo. De fato, o governador tem razão quando afirma que existe professor substituto com a função de substituir professores afastados para mestrado e doutorado, tanto nas universidades brasileiras como nas universidades dos países centrais. A questão é que o número de professores substitutos das Universidades Estaduais do Ceará é superior ao número de afastados. Isso significa que os professores substitutos estão ocupando vagas que deveriam ser para professores efetivos, por meio de concurso.
“Outro problema é que o professor substituto recebe a metade do pagamento de um professor efetivo, realizando o mesmo trabalho. Isso tem gerado o não preenchimento de vagas. Abrem seleção para duas vagas e aparece um inscrito. O resultado é o discente sem professor. Então, se a greve deixa os alunos sem aulas por um período de 3 meses é para tentar resolver o problema de uma vez. Alguns já estavam sem professor, independente de ter greve ou não, entende?”
PRINCIPAIS REIVINDICAÇÕES
“A nossa pauta já teve ampla divulgação. Trata-se de uma luta das três universidades: UECE, URCA e UEVA. Envolve concurso para professor efetivo e para técnico-administrativo; novos cursos de graduação; regulamentação do Plano de Cargos e Carreiras dos docentes; regulamentação da tabela salarial dos servidores; assistência estudantil; melhoria infraestrutural; equiparação salarial do salário do professor substituto em relação ao efetivo; autonomia universitária etc.
“A autonomia universitária é um debate interessante. As eleições para reitoria da UECE, por exemplo, mesmo os estudantes, professores e técnico-administrativos votando e elegendo, somente terá posse aquele que o governador indicar, escolhidos a partir dos três mais votados. Em geral, tem sido nomeado o mais votado, mais nem sempre isso ocorre. O próprio governador é quem assina o documento de afastamento dos professores para pós-graduação, como ele mesmo mencionou em sua fala. Ou seja, essa autonomia é relativa.
“Outra questão é sobre a equiparação salarial de professores substitutos em relação aos efetivos. Essa também faz parte das nossas reivindicações. O problema é que o governador informou que só negociava com as pautas emergenciais e essa ficou fora, no momento da negociação. Não deixou, no entanto, de ser uma luta nossa. A melhoria do salário dos efetivos somente ocorreu após uma greve, ocorrida anteriormente.
“Na verdade, não era preciso ter greve realmente, se educação nesse país fosse valorizada, se o professor fosse valorizado. Por isso me emocionei tanto naquele dia. É difícil para um educador que passa a vida toda estudando, que passa inclusive os finais de semana e feriados corrigindo prova, lendo, preparando aula e pesquisando ter de escutar os pais dos seus educandos te vaiarem. Os políticos, por sua vez, já estão acostumados com isso. Devem achar que vale a pena. Basta lembrar que o Brasil é um dos países que mais gasta com parlamentares do mundo.”
REPRESÁLIAS?
“Ninguém [da equipe de Cid Gomes] entrou em contato comigo. Não recebi nenhuma represália, até porque não faz sentido repreender alguém que está lutando para melhorar a educação da sua cidade, do seu estado. Eu sei que o governador é bastante inteligente e compreende isso. Já tenho desenvolvido, através da universidade, vários trabalhos de extensão nas comunidades rurais da região em parceria com prefeituras, com Cáritas e com a UFC. Tenho clareza do meu papel como educadora.”
REPERCUSSÃO DO EPISÓDIO
“Achei normal, um pouco exagerado na verdade. Não me empolgo com essas coisas. Prefiro acreditar que o mundo precisa melhorar e que depende de nós essa mudança. Precisamos lutar para construir um mundo diferente de tudo que temos. Nem autoritarismo, nem capitalismo! Precisamos de um mundo em que as pessoas tenham liberdade e sejam felizes. Um mundo sem miséria, sem violência. Isso considero importante!”
MUDANÇAS NA ROTINA?
“Não muito. Aliás, muitas pessoas me cumprimentam na rua e nas redes sociais. Dizem: você é aquela professora que falou bonito! Outros falam: você estava muito brava! (risos). Então explico que tive motivos para ficar brava e peço desculpas por isso.
“Fiquei brava mesmo por ter sido seguida e abordada pela polícia, na chegada do evento, como se fosse uma criminosa. Fico brava e triste porque vejo na nossa região crianças (filhas de catadores de material reciclados) de 11 anos tendo que se prostituir por cinco reais para ter o que comer. Essas crianças dizem que não têm futuro na vida porque, quando não têm o que comer, precisam pegar os restos de comida do lixo, junto com fezes de gato. E me pergunto como os políticos permitem uma coisa dessas.
“Fico muito triste quando vejo o povo envenenado por conta dos agrotóxicos, enquanto alguns lucram milhões em nome dessa miséria. Fico triste quando vejo os agricultores familiares camponeses sem terra, sem água, sem condições de se reproduzir, mesmo sendo os responsáveis por produzirem 70% dos nossos alimentos. Quando os políticos vão resolver olhar para o povo?
MENSAGEM PARA EDUCADORES E EDUCANDOS
“Acho que já foi anunciado alguns elementos nas falas anteriores, mas acredito que os educadores e educandos têm um papel fundamental na construção de um mundo melhor, mais justo, mais humanizado.
“Paulo Freire sempre defendeu a práxis, talvez seja esse o nosso caminho, a junção da reflexão mais a ação. Que o conhecimento produzido possa servir a quem de direito, ao povo! Que aprendamos a defender nossos territórios, nossos modos de vida. Não precisamos importar um modo de vida norte-americano se somos mesmo é cearenses. É isso que somos, cearenses e brasileiros, resultantes da miscigenação das matrizes indígenas, africanas e europeias, como nos ensinou Darcy Ribeiro.
“Por fim, acredito que esse compromisso seja de todos nós, inclusive dos estudantes! Acredito que o diálogo ainda é o melhor caminho. Infelizmente, às vezes, somos forçados a “gritar” para que nos escutem! Enfim, acredito que não se faz luta sem esperança.”
Vídeos:
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Como funcionário público estadual, pelo menos fica a esperança de novos rumos no próximo ano, pelo menos alguma mudança, mesmo sabendo que é difícil ter um político que seja realmente do lado dos servidores. Sempre somos esquecidos por políticos que realmente poderiam mudar as coisas em prol do servidor, do trabalhador, enfim, do cidadão que sustenta na realidade toda a elite que vive às custas do nosso suor, do nosso sangue. Porém no próximo ano não verei mais a cara de certos políticos, pousando de autoridades supremas, se sentido deuses. Tenho fé em Deus que todos os políticos que traíram o povo cearense, o povo brasileiro, receberão o seu castigo merecido, a lição de nunca mais se aproveitarem do voto do cidadão ao mesmo tempo abandonando-o. Deus é o bem e o todo poderoso, e no Tribunal de Cristo eles receberão o que merecem…