De forma alguma é algo novo. Faz tempo que a exploração do medo é usada como mecanismo que produz submissão. E possivelmente nenhum outro segmento seja tão experiente e habilidoso em usar o medo quanto a religião. Como disse o filósofo inglês Thomas Hobbes em sua obra Leviatã, do século VII: “O medo de coisas invisíveis é a semente natural daquilo que todo mundo, em seu íntimo, chama de religião.”
Não que o medo seja o único ingrediente da sopa. A religião também se dedica a falar sobre um Deus de amor, de bondade, de misericórdia, de compaixão e paciência, porém, sem jamais abrir mão do artifício da exploração do medo. Ela parece tratar o medo como uma espécie de corrente de segurança na qual, no eventual vacilo das motivações oriundas de outras fontes, os indivíduos serão mantidos sob sua autoridade e domínio.
Explico, antes de prosseguir, que o tipo de medo do qual falo aqui não deve ser confundido com o temor reverente que pode nascer da crença num Deus Onipotente, Juiz Supremo, com autoridade e poder para punir e matar os que lhe desobedecem. Afinal, aquele que acredita na existência de um Deus conforme os atributos que lhe são dados pela cultura religiosa judaico-cristã acabará desenvolvendo naturalmente, em maior ou menor medida, tal tipo de temor reverente.
Este temor reverente difere do medo na exata proporção em que o indivíduo consegue desenvolver e internalizar um conceito de relação com o Divino baseado, não num sistema de punições e recompensas – tal como o costumeiramente oferecido pelas organizações religiosas -, mas no respeito à identidade Daquele a quem ele, o fiel, chama de Deus. O temor reverente gera no indivíduo a ânsia por agradar ao Deus a quem ele ama, e não a tremer ou apavorar-se em desesperança diante duma divindade de quem ele tem medo e, em alguns casos, até pavor.
Instituições religiosas contemporâneas – algumas delas com CNPJ, inclusive -, parecem, na verdade, ter abandonado o discurso do cristianismo primitivo, aquele dos tempos apostólicos, segundo o qual “Deus é amor”. (1 João 4.8) Obviamente, o cristianismo primitivo também declarava que Deus traria vingança sobre os desobedientes. (2 Tessalonicenses 1.8) Uma leitura meticulosa da mensagem do chamado Novo Testamento, porém, revelará que o apelo do primitivo cristianismo baseava-se quase que inteiramente na revelação do amor de Deus, mediante a manifestação de si mesmo em Cristo. As referências aos castigos reservados aos desobedientes ocorreram em contextos que exigiam honestidade e consideração ao escopo total das doutrinas, mas de modo algum tais injunções foram impostas como modelo de método para catequização ou evangelismo.
A difusão do medo, no entanto, reina sobre as pautas religiosas atualmente. Medo do fim do mundo, do Armagedom, do Juízo Final; medo de um inferno de fogo, medo de demônios, medo de perder uma eternidade de favores Divinos, medo de perder o paraíso, medo de punições eclesiásticas, medo da censura e do ostracismo associado aos diferentes graus de disciplina institucionais; medo de uma vida solitária e vazia; medo da pobreza; medo de feitiços; medo da perda de posições sociais e de privilégios na estrutura de autoridade da religião, alcançados a grande custo; medo, medo e medo. Ele é a tônica da mensagem que move multidões em direção aos templos emplacados com os mais diferentes nomes. De fato, lamentável como seja a constatação, o medo enche mais as igrejas do que o amor.
Isto possivelmente explica o motivo de vivermos numa sociedade cuja proliferação de igrejas e novas denominações é tão grande e, não obstante, seja tal sociedade surpreendentemente violenta, materialista e egoísta. O sinal é de que há religião e igrejas em excesso, e Deus está em falta. Este é um padrão recorrente, mesmo hoje, quando o secularismo domina o cenário. Quem provavelmente estranharia este ambiente tão persistente seria o autor da seguinte declaração, tida, inclusive, como proveniente da inspiração divina: “No amor não há medo; pelo contrário: o perfeito amor expulsa o medo, porque o medo supõe castigo. Aquele que tem medo não está aperfeiçoado no amor.” (1 João 4:18)
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