Alguns estudiosos tem dúvidas sobre quem, de fato, foi o autor da Carta aos Hebreus, encontrada na Bíblia. A maioria dos cristãos, porém, concorda em atribuir – por motivos que não iremos explanar -, a autoria do texto ao Apóstolo Paulo. Eu, particularmente, atribuo a autoria a Paulo.
Em relação ao período da escrita, quase todos os estudiosos concordam que se deu no começo da sexta década cristã. Assim, os destinatários não eram homens e mulheres necessariamente novos na fé em Cristo, mas é muito provável que alguns até mesmo professassem ser discípulos há décadas.
Com isto em mente, pode parecer surpreendente encontrar o tipo de observação registrada no que hoje é o capítulo cinco, versículos onze a quatorze da carta. Ali, o autor lembra aos destinatários que eles “já deveriam ser mestres, mas ainda precisam de alguém que lhes ensine as primeiras lições dos ensinamentos de Deus.” (Bíblia na Linguagem de Hoje.)
Parte do objetivo geral da carta aos Hebreus, conforme concordam os estudiosos, era explicar à comunidade cristã o valor da sua forma de adoração, que eles aparentemente poderiam minimizar, ou ceder aos apelos judaicos neste sentido, ao compara-la com a força e a imponência histórica da religião israelita.
De fato, o Templo em Jerusalém, o sacerdócio, as festividades, os costumes judaicos – todos milenares – talvez produzissem um efeito debilitante na mente daqueles homens e mulheres simples, ainda mais na daqueles que já haviam tido um longo histórico de associação com o modo judaico de adoração, impedindo-lhes de progredir corretamente no cristianismo.
A preocupação do autor da Carta aos Hebreus não era sem sentido, afinal, quem eram os cristãos, sem referências físicas, sem templos, sem sacerdócio institucionalmente distinguível, sem grandes festividades, etc? O que os cristãos tinham para mostrar aos olhos do público?
O que o autor da Carta aos Hebreus fez foi explicar que o valor do cristianismo não podia ser medido em termos de números históricos, quantidades, propriedades, costumes milenares e nem pelo apelo de uma estrutura de autoridade sacerdotal claramente distinta, mas que se relacionava principalmente com as coisas espirituais, discernidas pela fé, baseadas no amor de um Sumo Sacerdote que, evidentemente, não mais estava fisicamente no meio deles, e sim vivo, nos céus, exercendo plenamente sua capacidade de atuar em prol do perdão dos erros e da reaproximação à Deus dos que exercessem fé.
Infelizmente, é cada dia mais notório – ao menos é a impressão que tenho -, que pessoas que professam o cristianismo adotem, nos dias de hoje, um parâmetro de avaliação da religião cristã e do seu próprio progresso como discípulos, baseado em números, propriedades da religião, influência pessoal nos vários segmentos das estruturas de autoridade de cada denominação e assim por diante.
Com isto, deixam de perceber que o tipo de religião que Jesus Cristo promoveu estava muito mais relacionada ao desenvolvimento do caráter, de virtudes tais como a bondade, a brandura, a misericórdia, o perdão e o amor, do que com qualquer outra coisa.
Sei por experiência própria que há muitos, nos meios religiosos, que avaliam a si mesmos com base, não naquilo que são como indivíduos, mas naquilo que se tornaram dentro das estruturas de autoridade de suas religiões, nos títulos e cargos que alcançaram e na influência que exercem sobre outros.
Não surpreende, portanto, que alguns, envenenados pelas posições que ocupam no seio de suas comunidades, tenham se tornado até mesmo incapazes de fazer uma auto-crítica justa e honesta; e que outros, sem terem conseguido evoluir nos círculos internos de suas organizações, sintam-se perdidos, fracassados e desestimulados, quando poderiam, não obstante, sentirem-se plenamente realizados em sua relação pessoal com o Deus a quem afirmam adorar.
O resultado desta cultura religiosa de exaltação dos valores alheios ao cristianismo é que a santidade tem sido substituída pela superficialidade, o amor e a união pela conformidade de grupo, o empenho missionário – típico de Cristo -, pela rotina cerimoniosa, e o tratamento solícito e compreensivo dos companheiros de fé pela imposição de legalismos tipicamente farisaicos.
Isto tudo, claro, é uma pena. Tal cultura torna as pessoas menos misericordiosas, menos sensíveis às necessidades dos outros, menos amorosas e, certamente, mais sectárias, mais orgulhosas e preconceituosas. Que tal situação nos induza ao menos a uma reflexão: Por que eu posso me considerar cristão? Se pudermos responder a esta pergunta sem fazer referência a coisas temporais, felizes seremos.
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