Neste final de semana estive com alguns amigos na cidade de Quixeramobim estudando um relato bíblico localizado no evangelho de Marcos, no capítulo cinco, versículos vinte e cinco a trinta e quatro.
É uma passagem belíssima que apresenta Jesus curando uma mulher que sofria com uma grave hemorragia já por 12 anos. Apenas por achar pessoalmente muito proveitoso o relato, bem como inspirador de atitudes nobres, é que compartilho algumas das reflexões que fizemos durante nossa análise.
De acordo com o relato bíblico, Jesus estava acompanhado por uma multidão de pessoas quando a mulher, com grande esforço, conseguiu chegar até ele e tocar-lhe a roupa. Ela havia escutado outras pessoas falando sobre como Jesus gostava de ajudar os doentes. Cheia de fé, aproximou-se dele, tocou-lhe a roupa e foi instantaneamente sarada de sua doença aflitiva.
É válido ressaltar alguns detalhes do que aquela mulher havia enfrentado antes de chegar a este encontro com Jesus, que sem dúvidas se tornou um ponto de virada em sua vida. É bom lembrar, por exemplo, que ela vivia numa sociedade que estava sujeita às orientações da chamada Lei de Moisés. Algumas partes dessa lei tinham o claro objetivo de prevenir o aparecimento de doenças entre os israelitas, ou então de conter o avanço delas ou mesmo erradicá-las.
Concordemente, o trecho que hoje está localizado no livro de Levítico, no capítulo quinze, versículos dezenove e vinte e cinco, determinava que mulheres com hemorragia contínua em suas genitálias deveriam ser classificadas como impuras, receber cuidados e manter-se afastadas de outras pessoas.
À primeira vista, esta orientação pode parecer desatualizada, mas sua aplicação gerava proteção para a sociedade israelita, ao mesmo tempo que chamava atenção para a necessidade de empenho no cuidado das pessoas doentes. É claro que uma abordagem humanizada desta lei era necessária para produzir benefícios para todas as partes. Mas nem sempre era isto o que acontecia.
Por vezes, líderes religiosos movidos por um forte espírito legalista perdiam de vista que o amor era a essência das leis que eles deveriam aplicar. A proteção das pessoas, a promoção do bem estar geral da nação e a difusão de um espírito de cooperação entre doentes e sociedade, numa via de mão dupla de respeito e consideração – neste caso específico -, era o que deveria ser prioridade.
Mas, com o tempo, a tradição religiosa desenvolvida à parte das leis dadas por Moisés passaram a se sobressair. O legalismo tomou conta da classe religiosa israelita, e orientações excessivamente restritivas passaram a influenciar profundamente a vida de pessoas como aquela mulher que buscou a ajuda de Jesus. Israelitas mal orientados iam ao ponto de jogar pedras em pessoas consideradas impuras por causa de certas doenças. Com o entendimento legalista das leis, o preconceito se generalizou.
A primeira coisa que se percebe no relato do evangelho de Marcos, então, é que não era comum uma mulher impura sair à rua, e muito menos caminhar entre uma multidão, tocando em várias pessoas. Foi também corajoso da parte dela tocar propositalmente em Jesus, a quem muitos ali consideravam um homem santo. Num ambiente dominado pelo legalismo, ela seria, no mínimo, alvo de atitudes de extremo preconceito e, talvez, até de atos de violência. Mas não ali. Não naquele momento. Não com Jesus por perto. Aquele homem transformava positivamente todos os ambientes em que atuava.
Ao sentir que havia sido curada – e isto mostra a intensidade do sangramento, pois era possível ela sentir o fluído saindo do seu corpo -, ela ficou “tremendo de medo”. Obviamente, aquilo foi uma confirmação da sua fé de que Jesus era, de fato, um homem diferente, capaz de fazer coisas maravilhosas pelas pessoas. Apenas tocar a roupa de Jesus produziu a cura que ela buscava por 12 anos. Segundo o relato, a coitadinha havia sido consultada por inúmeros médicos, mas sua doença só piorava.
Qual foi a reação de Jesus ao sentir que alguém o havia tocado? E depois, quando descobriu que uma “mulher impura” é quem tinha feito aquilo, como ele reagiu? Este é o ponto principal que quero ressaltar.
Jesus certamente conhecia as leis. Aos doze anos de idade, como mostra outro evangelho, ele foi visto conversando com líderes religiosos sobre elas. Ele com certeza sabia que uma mulher impura não deveria estar ali, no meio da multidão, tocando as pessoas. Ele obviamente sabia que, de modo geral, aquela foi uma atitude errada da parte da mulher.
E se ela não tivesse conseguido atravessar a multidão e tocar em sua roupa? E se tivesse contaminado outros com sua doença, cuja natureza nem sequer havia sido determinada pelos médicos que ela já tinha consultado? Facilmente aquela situação poderia ser interpretada da pior maneira possível.
Mas quando a mulher se apresentou e, ajoelhada à sua frente, explicou tudo o que lhe havia sucedido, o que Jesus escolheu fazer foi amar. O foco de Jesus se moveu na direção das necessidades da mulher e no quão bom estava sendo vê-la livre daquela doença aflitiva. Concordemente, ele a despediu em paz, elogiou a fé que ela havia demonstrado, e deu a todos à sua volta e, por extensão, a todos os que desde então conheceram este relato, um exemplo de como devemos amar primeiro, em qualquer situação.
Qualquer que seja nossa posição em relação às outras pessoas, quer sejamos cidadãos comuns, quer tenhamos influência sobre ações de impacto na vida dos outros, podemos certamente imitar Jesus na maneira como lidamos com as pessoas e suas necessidades. Podemos, por exemplo, nos esforçar para entender nosso próximo em suas circunstâncias aflitivas. Podemos escolher agir com misericórdia, mesmo quando aquilo que outros fazem, talvez até por desespero, não seja a coisa mais correta. Podemos nos esforçar para olhar as pessoas com os olhos compassivos de Jesus.
Se a nossa escolha em relação às pessoas ao nosso redor for amá-las primeiro, compreendê-las e ajudá-las, certamente estaremos contribuindo para que este mundo insensível ao sofrimento alheio seja um pouquinho melhor.
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Por Gooldemberg Saraiva / Contato: (88) 99972-5179 / E-mail: bergsaraiva@gmail.com